segunda-feira, outubro 29, 2012

Prazer e Dor - Hedonismo de Epicuro


Prazer e dor. Polos opostos cujas gradações populam não apenas a experiência humana, mas também a experiência da vida em si, de todo tipo de vida. A dor nos leva a repelir algo, nos mostrando o que é dissonante de nós, e o prazer nos impulsiona para que nos aproximemos de alguma coisa, revelando o que nos é ressonante.

E, talvez estranhamente, estas sensações não acontecem necessariamente porque algo realmente nos cause prazer ou dor. Na verdade a consciência destes estados não se sente somente com um estímulo imediato, e sim, muitas vezes, como a memória de algo que se sentiu, a lembrança de uma experiência, gerando a expectativa de ter novo prazer, ou de sofrer dor, tal como diz aquele ditado popular: “Gato escaldado tem medo de água fria”. Assim estas sensações não são apenas reações momentâneas, e sim algo que passa a fazer parte de cada um, constituindo a base do nosso aprendizado e dando forma a quem nós somos. Pode-se dizer que as ressonâncias (o prazer) representam respostas que nos completam, expandindo nossa expressão para o exterior, e que as dissonâncias (dor) mostram nossos limites, os quais não nos permitem passar adiante, o ponto a partir do qual cessa o “eu” e começa algo diferente do “eu”.

A princípio, o prazer e a dor parecem opostos, contraditórios em suas naturezas porém, em uma análise mais profunda, percebe-se que estão interligados, sendo complementares entre si. O prazer (que aponta para a expressão de quem somos, a qual diz respeito ao nosso aspecto interior) é complementado pela natureza do que existe ao nosso redor, a qual corresponde à visão do que difere do “eu” (sendo este o aspecto exterior a nós que é revelado pela dor). O interior é complementado pelo exterior. Dessa forma, o desenvolvimento da consciência só é completo na vivência de ambas as percepções. O interior, percebemos por nossos próprios impulsos. O exterior, percebemos pela negação destes impulsos.

No sistema nervoso, os neurônios acrescentam novas considerações à questão da percepção. O neurônio sempre reage a uma certa intensidade mínima de estímulos de forma que, abaixo desse limiar, novas sinapses não ocorrem. No entanto, quando um mesmo estímulo é intenso o bastante mas repetido com frequencia, ele passa a ser ignorado. O motivo disso é o que se chama de imagem consecutiva negativa que é mantida por um tempo, de forma residual, em cada neurônio e que, sendo a imagem negativa do estimulo, ela o cancela. Para se compreender o que é a imagem consecutiva negativa, basta observar alguma cena com cores iluminadas e brilhantes por alguns segundos, e fechar os olhos. Então se verá uma imagem em negativo, a qual é a imagem consecutiva negativa do que se viu.

Há muitas outras experiências físicas nesse sentido como, por exemplo, a percepção do frio ou do calor que tende a se amenizar com o passar do tempo, o eco dos sons que nos incomoda a princípio mas que o ignoramos depois de um certo período, um ruído insistente que passa despercebido quando nos habituamos a ele, e, é claro, isso também se aplica às sensações de prazer e dor e, até mesmo, às experiências subjetivas da rotina do dia-a-dia, as quais não são necessariamente físicas. Na verdade, é este mecanismo que permite que nos acostumemos às mais diversas situações ao nosso redor porém, ao mesmo tempo, nos torna cada vez mais incapazes de perceber o que nos cerca, a menos que os estímulos se tornem mais intensos, ou que sejam intercalados pela ausência de estímulos. Essa é a base da dinâmica do vício: a busca de um estímulo cada vez maior para produzir o mesmo efeito de prazer. É a escravidão de si mesmo à paixão, não no sentido romântico, mas no sentido de tornar-se dependente das próprias sensações.

O vício se origina com uma experiência prazerosa que gera a expectativa da repetição dessa experiência. Seguem então tentativas de reproduzi-la, porém cada nova tentativa tende a proporcionar menos prazer do que as anteriores, justamente pelo fato da pessoa acostumar-se a elas. Como compensação, procura-se experiências cada vez mais fortes para se manter a mesma intensidade de satisfação. Em certo estágio, realiza-se freneticamente diversas tentativas, as quais não produzem qualquer tipo de satisfação real. Quando se percebe a falta de sentido do vício, tenta-se negá-lo e conte-lo, mas aspectos subconscientes foram estimulados por muito tempo até então, adquirindo uma espécie de aprendizado inercial sobre como gerar o prazer através do vício. A abstinência gera insatisfação e a mente começa a sugerir os passos que aprendeu para obter o prazer. Por um tempo, existe uma resistência consciente a estes estímulos porém, gradualmente, começa-se a ceder a atitudes aparentemente sem consequências, porém sedutoras. Estas atitudes provocam ainda mais a imaginação, diminuindo o poder sobre os próprios pensamentos e, por consequência, reduzindo também o auto-controle. E assim, após um período de abstinência que pode ser até mesmo razoavelmente longo, há a recaída, e após a recaída, toda a auto-estima adquirida neste período se esvai, até que se tente novamente vencer o vício. Este processo se aplica a todo tipo de vício, seja o vício de comer exageradamente, usar drogas, fazer sexo, fazer compras, ou qualquer outro.

Na sociedade, o vício provoca deteriorações das mais diversas formas, seja na saúde, nos aspectos financeiros, ou nos relacionamentos pessoais, familiares, sociais e profissionais. Para contrabalançar estas consequências, existem regras para moderar as possibilidades individuais de obtenção do prazer. São as convenções religiosas, morais e legais que têm a função de fixar limites, criar contextos estáveis, e assim estabelecer ciclos que intercalam a satisfação por um lado e o cumprimento de uma função social por outro. O problema está no fato de que estas convenções não conseguem abranger as necessidades pessoais de uma forma plena e homogênea para todos os indivíduos, gerando uma crescente insatisfação na sociedade e provocando conflitos com relação às convenções pré-estabelecidas, nas esferas pessoal, familiar, social e profissional. De fato, é frequente que estes atritos e desequilíbrios sejam transportados para dentro das pessoas, tornando-as indivíduos de “duas faces”, sendo uma destas faces a demonstração de perfeição religiosa e moral, e a outra, de uma natureza oculta, intencionalmente escondida. E também existem as pessoas consideradas virtuosas, embora sejam difíceis de se diferenciar daquelas que são hipócritas, ou seja, das que aparentam ser algo que não são (a não ser pelas contradições inerentes da hipocrisia). Ainda assim, mesmo para o verdadeiramente virtuoso, ainda pesa a insatisfação.

A forma como o prazer e a dor se manifestam (e as condições que se repetem nesse processo) abrange muitos contextos, seja o próprio indivíduo (introspectivamente), ou no ambiente familiar, ou na sociedade de uma maneira mais ampla. Compreender estes aspectos em si mesmo é o primeiro passo para se adquirir o auto-controle e também o controle sobre as possibilidades de transformação da realidade ao redor de si. É necessário que se seja capaz de se ver tal como um observador externo, percebendo a dinâmica de pensamentos, sensações e emoções interna, bem como as interações externas, e então procurar conscientemente interferir nesta dinâmica. Com este tipo de intervenção, através de pensamentos, atitudes e ações, é possível assumir o controle de si próprio para então ser capaz de interagir e orientar melhor o mundo ao redor de si, na direção de uma realização cada vez mais plena. Os resultados são, com frequência, quase desanimadores à princípio e, em meio a um processo de tentativa-e-erro, não há garantia de que nunca surjam motivos para arrependimento mas, para cada ilusão e erro sempre há um aprendizado quando os percebemos e, assim, nos tornamos melhores pelo simples fato de tentarmos sê-lo.

O que se busca é permitir que a satisfação ocorra de forma equilibrada. O filósofo grego Epicuro (341 - 271/270 a.C) criou um método relativamente simples de ser aplicado na busca da realização plena do prazer com equilíbrio, cujo sentido original se deturpou já nos seus primórdios, por seus próprios seguidores: o hedonismo. O hedonismo, na concepção de Epicuro, partia do princípio de que o ser humano tem três dimensões: física, mental e espiritual. A dimensão física diz respeito à satisfação ou insatisfação física; a dimensão mental diz respeito às satisfações ou insatisfações apontadas pelo uso da razão, a qual envolve o intelecto e também a capacidade de imaginar possibilidades; a dimensão espiritual, no entanto, envolve os sentimentos e, em particular, aqueles que nos ligam às outras pessoas e à natureza ao nosso redor, nos tornando capazes de sentirmos satisfação ou insatisfação não apenas por nós mesmos, mas também nos permitindo desenvolver empatia por outras pessoas, nos motivando a agir também pelo bem-estar de outros. Nessa concepção, o hedonismo é ético e pressupõe que, se buscarmos maximizar o prazer nestas três dimensões, permanecendo sensíveis às mesmas, estaremos em equilíbrio. O hedonismo é uma bússola interna para procurar a verdade pois implica na atenção plena às fontes primárias do conhecimento de si próprio e do mundo: o prazer e a dor.


Prazer e dor. Polos opostos cujas gradações populam não apenas a experiência humana, mas também a experiência da vida em si, de todo tipo de vida. A dor nos leva a repelir algo, nos mostrando o que é dissonante de nós, e o prazer nos impulsiona para que nos aproximemos de alguma coisa, revelando o que nos é ressonante.

E, talvez estranhamente, estas sensações não acontecem necessariamente porque algo realmente nos cause prazer ou dor. Na verdade a consciência destes estados não se sente somente com um estímulo imediato, e sim, muitas vezes, como a memória de algo que se sentiu, a lembrança de uma experiência, gerando a expectativa de ter novo prazer, ou de sofrer dor, tal como diz aquele ditado popular: “Gato escaldado tem medo de água fria”. Assim estas sensações não são apenas reações momentâneas, e sim algo que passa a fazer parte de cada um, constituindo a base do nosso aprendizado e dando forma a quem nós somos. Pode-se dizer que as ressonâncias (o prazer) representam respostas que nos completam, expandindo nossa expressão para o exterior, e que as dissonâncias (dor) mostram nossos limites, os quais não nos permitem passar adiante, o ponto a partir do qual cessa o “eu” e começa algo diferente do “eu”.

A princípio, o prazer e a dor parecem opostos, contraditórios em suas naturezas porém, em uma análise mais profunda, percebe-se que estão interligados, sendo complementares entre si. O prazer (que aponta para a expressão de quem somos, a qual diz respeito ao nosso aspecto interior) é complementado pela natureza do que existe ao nosso redor, a qual corresponde à visão do que difere do “eu” (sendo este o aspecto exterior a nós que é revelado pela dor). O interior é complementado pelo exterior. Dessa forma, o desenvolvimento da consciência só é completo na vivência de ambas as percepções. O interior, percebemos por nossos próprios impulsos. O exterior, percebemos pela negação destes impulsos.

No sistema nervoso, os neurônios acrescentam novas considerações à questão da percepção. O neurônio sempre reage a uma certa intensidade mínima de estímulos de forma que, abaixo desse limiar, novas sinapses não ocorrem. No entanto, quando um mesmo estímulo é intenso o bastante mas repetido com frequencia, ele passa a ser ignorado. O motivo disso é o que se chama de imagem consecutiva negativa que é mantida por um tempo, de forma residual, em cada neurônio e que, sendo a imagem negativa do estimulo, ela o cancela. Para se compreender o que é a imagem consecutiva negativa, basta observar alguma cena com cores iluminadas e brilhantes por alguns segundos, e fechar os olhos. Então se verá uma imagem em negativo, a qual é a imagem consecutiva negativa do que se viu.

Há muitas outras experiências físicas nesse sentido como, por exemplo, a percepção do frio ou do calor que tende a se amenizar com o passar do tempo, o eco dos sons que nos incomoda a princípio mas que o ignoramos depois de um certo período, um ruído insistente que passa despercebido quando nos habituamos a ele, e, é claro, isso também se aplica às sensações de prazer e dor e, até mesmo, às experiências subjetivas da rotina do dia-a-dia, as quais não são necessariamente físicas. Na verdade, é este mecanismo que permite que nos acostumemos às mais diversas situações ao nosso redor porém, ao mesmo tempo, nos torna cada vez mais incapazes de perceber o que nos cerca, a menos que os estímulos se tornem mais intensos, ou que sejam intercalados pela ausência de estímulos. Essa é a base da dinâmica do vício: a busca de um estímulo cada vez maior para produzir o mesmo efeito de prazer. É a escravidão de si mesmo à paixão, não no sentido romântico, mas no sentido de tornar-se dependente das próprias sensações.

O vício se origina com uma experiência prazerosa que gera a expectativa da repetição dessa experiência. Seguem então tentativas de reproduzi-la, porém cada nova tentativa tende a proporcionar menos prazer do que as anteriores, justamente pelo fato da pessoa acostumar-se a elas. Como compensação, procura-se experiências cada vez mais fortes para se manter a mesma intensidade de satisfação. Em certo estágio, realiza-se freneticamente diversas tentativas, as quais não produzem qualquer tipo de satisfação real. Quando se percebe a falta de sentido do vício, tenta-se negá-lo e conte-lo, mas aspectos subconscientes foram estimulados por muito tempo até então, adquirindo uma espécie de aprendizado inercial sobre como gerar o prazer através do vício. A abstinência gera insatisfação e a mente começa a sugerir os passos que aprendeu para obter o prazer. Por um tempo, existe uma resistência consciente a estes estímulos porém, gradualmente, começa-se a ceder a atitudes aparentemente sem consequências, porém sedutoras. Estas atitudes provocam ainda mais a imaginação, diminuindo o poder sobre os próprios pensamentos e, por consequência, reduzindo também o auto-controle. E assim, após um período de abstinência que pode ser até mesmo razoavelmente longo, há a recaída, e após a recaída, toda a auto-estima adquirida neste período se esvai, até que se tente novamente vencer o vício. Este processo se aplica a todo tipo de vício, seja o vício de comer exageradamente, usar drogas, fazer sexo, fazer compras, ou qualquer outro.

Na sociedade, o vício provoca deteriorações das mais diversas formas, seja na saúde, nos aspectos financeiros, ou nos relacionamentos pessoais, familiares, sociais e profissionais. Para contrabalançar estas consequências, existem regras para moderar as possibilidades individuais de obtenção do prazer. São as convenções religiosas, morais e legais que têm a função de fixar limites, criar contextos estáveis, e assim estabelecer ciclos que intercalam a satisfação por um lado e o cumprimento de uma função social por outro. O problema está no fato de que estas convenções não conseguem abranger as necessidades pessoais de uma forma plena e homogênea para todos os indivíduos, gerando uma crescente insatisfação na sociedade e provocando conflitos com relação às convenções pré-estabelecidas, nas esferas pessoal, familiar, social e profissional. De fato, é frequente que estes atritos e desequilíbrios sejam transportados para dentro das pessoas, tornando-as indivíduos de “duas faces”, sendo uma destas faces a demonstração de perfeição religiosa e moral, e a outra, de uma natureza oculta, intencionalmente escondida. E também existem as pessoas consideradas virtuosas, embora sejam difíceis de se diferenciar daquelas que são hipócritas, ou seja, das que aparentam ser algo que não são (a não ser pelas contradições inerentes da hipocrisia). Ainda assim, mesmo para o verdadeiramente virtuoso, ainda pesa a insatisfação.

A forma como o prazer e a dor se manifestam (e as condições que se repetem nesse processo) abrange muitos contextos, seja o próprio indivíduo (introspectivamente), ou no ambiente familiar, ou na sociedade de uma maneira mais ampla. Compreender estes aspectos em si mesmo é o primeiro passo para se adquirir o auto-controle e também o controle sobre as possibilidades de transformação da realidade ao redor de si. É necessário que se seja capaz de se ver tal como um observador externo, percebendo a dinâmica de pensamentos, sensações e emoções interna, bem como as interações externas, e então procurar conscientemente interferir nesta dinâmica. Com este tipo de intervenção, através de pensamentos, atitudes e ações, é possível assumir o controle de si próprio para então ser capaz de interagir e orientar melhor o mundo ao redor de si, na direção de uma realização cada vez mais plena. Os resultados são, com frequência, quase desanimadores à princípio e, em meio a um processo de tentativa-e-erro, não há garantia de que nunca surjam motivos para arrependimento mas, para cada ilusão e erro sempre há um aprendizado quando os percebemos e, assim, nos tornamos melhores pelo simples fato de tentarmos sê-lo.

O que se busca é permitir que a satisfação ocorra de forma equilibrada. O filósofo grego Epicuro (341 - 271/270 a.C) criou um método relativamente simples de ser aplicado na busca da realização plena do prazer com equilíbrio, cujo sentido original se deturpou já nos seus primórdios, por seus próprios seguidores: o hedonismo. O hedonismo, na concepção de Epicuro, partia do princípio de que o ser humano tem três dimensões: física, mental e espiritual. A dimensão física diz respeito à satisfação ou insatisfação física; a dimensão mental diz respeito às satisfações ou insatisfações apontadas pelo uso da razão, a qual envolve o intelecto e também a capacidade de imaginar possibilidades; a dimensão espiritual, no entanto, envolve os sentimentos e, em particular, aqueles que nos ligam às outras pessoas e à natureza ao nosso redor, nos tornando capazes de sentirmos satisfação ou insatisfação não apenas por nós mesmos, mas também nos permitindo desenvolver empatia por outras pessoas, nos motivando a agir também pelo bem-estar de outros. Nessa concepção, o hedonismo é ético e pressupõe que, se buscarmos maximizar o prazer nestas três dimensões, permanecendo sensíveis às mesmas, estaremos em equilíbrio. O hedonismo é uma bússola interna para procurar a verdade pois implica na atenção plena às fontes primárias do conhecimento de si próprio e do mundo: o prazer e a dor.

quinta-feira, outubro 25, 2012


YÃMÎY – O CANTO SAGRADO MAXAKALI


Os MAXAKALI vivem no nordeste de Minas Gerais, precisamente no Vale do Mucuri. Segundo os lingüistas, sua língua pertence à homônima família maxakali, que, por sua vez, pertence ao tronco macro-jê. Macro-jê e tupi são os dois principais troncos lingüísticos indígenas do Brasil. Os Maxakali surpreendem por ainda manterem não só sua língua, mas quase toda sua cultura, incluindo a religião, a organização social, os costumes, etc.

Mîmtat é o nome em língua maxakali para a Crotalaria incana, também conhecida como xique-xique. A plantinha produz uma pequena vagem cheia de sementinhas. Os Maxakali a apanham no mato e, depois de pedir que o filho ainda pequeno abra bem a boca, eles a apertam lá dentro de um jeito que faz com que a pequena vagem da mîmtat dê um estalo, uma diminuta explosão, na cavidade oral da criança, e pronto. “É para chamar a fala. Para a criança não ficar muda. As sementes são as palavras da língua”.

Uma dessas sementinhas da vagem da mîmtat é a palavra YÃMÎY. Quer dizer “canto”, mas também “espírito”. Yãmîy é a concepção central para se entender a cultura maxakali. Mais especificamente, são cantos sagrados; verdadeiras composições poético-musicais cantadas nos rituais. Os yãmîys-cantos referem-se aos yãmîys-espíritos. Ou seja, para cada divindade maxakali há pelo menos um canto correspondente. Tais divindades incluem animais terrestres, pássaros, insetos, e figuras míticas da tradição indígena.

A palavra yãmîy em maxacali incorpora a raiz do verbo mîy, “fazer”. Não poderia ser de outro modo, uma vez que, para o Maxakali, tudo provém dos espíritos (yâmîys), que trazem todo o conhecimento sobre o mundo e o sobrenatural quando interagem com os humanos nos rituais. Yãmîy é poesia no estilo das melhores performances.

A palavra maxakali que designa os rituais é YÃMÎYXOP. Xop é partícula que indica plural. Os yãmîyxops são cerimônias religiosas, verdadeiras festas, que envolvem toda a comunidade de uma aldeia. São realizadas para agradecerem aos deuses por uma boa colheita, ou para pedirem uma. São realizadas também para pedir a cura de um doente. Nelas se canta uma variedade de yãmîys incessantemente. Durante todo o dia que precede a noite do ritual, todos os membros da comunidade de uma aldeia ficam envolvidos com os preparativos do yãmîyxop.

Um yãmîyxop é um espetáculo que apela aos cinco sentidos. Nos rituais, canto, dança, poesia e teatro são indissociáveis. No aspecto visual, o figurino também não é menos importante. Cada yãmîy tem sua indumentária, suas cores e formas de pintura, que enfeitam o corpo daqueles que encenam. Ouve-se, canta-se, vê-se, respira-se, tateia-se e degusta-se com intensidade num yãmîyxop.

O tato acontece no contato físico entre os participantes. Há momentos na dança em que se formam grandes círculos em que todos giram abraçados. O paladar também é aguçado, pois faz parte dos rituais a ingestão de bebida (principalmente café e cachaça – sabe-se que tradicionalmente os Maxakali ingeriam certo chá que caiu em desuso ao longo do tempo e foi substituído pelas bebidas mencionadas) e comida. O alimento costuma ser servido em caprichados pratos comxuinãg (arroz), às vezes pêyôg (feijão), xokkakak (frango) ou carne dexapup (porco) ou mûnûy (boi) e mãkãhãm (macarrão). Se houver, também kômîy (batata), kohot (mandioca) e paxok (milho). A comida é uma oferenda aos yãmiys, que se satisfazem comendo vorazmente dentro da kuxex, a “casa de religião”.

O olfato, nas aldeias, é estimulado pelo cheiro do mato, da terra, do corpo e da fumaça, principalmente. Há muita fumaça (koho) impregnando os objetos e as pessoas, uma vez que, recolhidos ao lar, os Maxakali acendem fogueiras praticamente dentro de casa, o que acaba por defumar a tudo e a todos (é característico o cheirinho de fumaça dos objetos maxakalis, seu artesanato principalmente). Também se fuma muito cigarro durante os yãmiyxops. A fumaça é sagrada para os Maxakali. É considerada alimento dos espíritos. Por isso se fuma bastante, tanto nos rituais, quanto no dia-a-dia. Fuma-se tanto o kohomanîy (“cigarro preto”, que é o cigarro não industrializado, de palha ou enrolado em papel) quanto o kohopodo (“cigarro branco”, o cigarro industrializado). Koho é fumaça, e metonimicamente, cigarro;manîy , como se pode perceber, é preto, e podo, branco.

A poesia yãmîy, com todo seu aparato performático, apelando aos cinco sentidos do corpo, propicia um verdadeiro e visceral desregramento de todos os sentidos.

Para entender os yãmîys, é essencial captar o “espírito”, o ‘clima’ particular de cada yãmîy: Não se entende apenas traduzindo o significado; é preciso captar o próprio signo, ou seja, sua materialidade (propriedades sonoras, visuais, enfim tudo aquilo que forma a iconicidade do signo). Assim, o que precisamos no caso de yãmîys é nos deixar cair na tentação de captar ou capturar o “espírito da coisa”. Aqui não é o símbolo que determina, mas o ícone que indetermina. Vamos a um exemplo:

‘ÕNYÃM
‘õnyãm tuthi xux mãhã
‘õnyãm kutet xux mãhã
‘õnyãm ah hãm tu yãyhi ah
‘õnyãm mîm mõg yîmu yãy hih
‘õnyãm toktet xux mãhã
‘õnyãm ‘ãto kopa mõyõn
‘õnyãm mîm kox kopa mãm hu mõyõn
‘õnyãm a hãm tu mõ ka’ok
‘õnyãm ‘upip ‘uxãm xi pip ‘uxãm ‘oknãg
‘õnyãm nãg upnok xi xepnak um

Numa tradução prosaica temos:

O OURIÇO
o ouriço come folhas de embaúba
o ouriço come folhas de bambu
o ouriço não anda de dia
o ouriço anda em cima do galho da árvore
o ouriço come folhas de mamona
o ouriço dorme dentro do feixe de cipós
o ouriço fica dentro do oco do pau e dorme
o ouriço não anda rápido no chão
tem ouriço que tem espinho e outros que não têm espinho
o ouriço tem rabo e pêlos brancos

Antônio Risério, estudioso de oriki, gênero de poesia oral africana, explica que ele não é oração, é sim uma “figuração paratática do orixá”. Entende-se a parataxe como a organização por coordenação, e o seu pivô é o conjunto das chamadas conjunções coordenativas; a hipotaxe é a organização por subordinação, que se articula graças às conjunções subordinativas. No Ocidente, domina amplamente a hipotaxe, desde quando os árias, saindo do norte da Índia, falando sânscrito, e caminhando para o ocidente, se transformaram nos gregos, que produziram a fissão nuclear da linguagem e das cabeças, ao criar e desenvolver o sistema predicativo da língua (sujeito/predicado/objeto ou complemento), especialmente quando o verbo ser é aplicado: tal coisa é tal coisa. Daí nasceu a lógica ocidental.

O yãmîy, assim como o oriki, é o canto de um espírito; cântico de louvor que conta os atributos e feitos de um espírito. Paratático, portanto, no sentido de que o discurso que o estrutura prescinde de conectores lógicos, como as conjunções, e não se organiza em períodos compostos por subordinação, o que dá à fala ou à escrita seu caráter hierarquizante, como normalmente acontece no discurso ocidental. Vemos que o poema maxakali aqui transcriado não apresenta frases que se montam por subordinação hierárquica numa seqüência de causas e efeitos. Ele se mostra muito mais como um texto em que as frases estão em pé de igualdade, sem orações subordinadas, numa estrutura em que as frases podem ser justapostas e encaixadas ad infinitum. Cada verso se coloca como uma idéia ou imagem completa, sem conectores que os concatenem. Cada verso é uma frase completa. O paralelismo que há no poema, principalmente pela repetição do sintagma “o ouriço” a iniciar cada um dos versos, reforça tal concepção. É sobretudo uma espécie de montagem de atributos do espírito; uma construção epitético-ideogramática. O que importa é isso: montagem de atributos, colagem de predicados, justaposição de particularidades e emblemas. Montagem, ideograma, eis o princípio que rege o yãmîy maxakali.

Cada yãmîy é ideogrâmico: o tratamento do tema é direto, sem rodeio; economia de palavras; frase musical. O foco do poema é claro e todas as enunciações giram em torno dele. Num yãmîy se tem também a quantidade de palavras na medida certa. Não há excesso, não há verborragia ou palavrório vazio. Usa-se os termos necessários para se dizer o que se pretende. Obviamente, num yãmîy, a frase é musical, naturalmente. Até por se tratar de canto. Sendo assim, musicalidade e palavras (melopéia e logopéia respectivamente) estão interligadas visceralmente. Todos esses recursos são usados no yâmîy objetivando a construção de uma imagem. No caso, a imagem de um espírito, um yãmîy.

Na poesia maxakali a linguagem é usada pura e simplesmente como representação do real, representação livre de arrogância e ideologia. O yãmîy é um momento intensamente vivido por “alguém”, mas fixado em linguagem sem o peso do sujeito psico-lógico do Ocidente. Nenhuma moral da história. É um lugar feliz em que a linguagem descansa do sentido. Tal concepção é muito próxima do que se pode inferir do método ideogrâmico de Pound, definido como um processo em que o artista, através de aguda percepção, tem a visão da relação entre as partes daquilo que é observado na natureza. E da exatidão dessa percepção o artista recria tal visão na obra literária. O artista buscaria o “detalhe luminoso” e simplesmente o apresentaria, sem fazer comentários. Ele apenas apresenta, mantendo desta forma uma atitude de despojamento. Neste caso, cabe ao espectador fazer inferências. É como se cada verso fosse a tomada de uma cena num filme. Entre um e outro há um corte. Como se cada verso fosse um fotograma, como se o poema fosse um roteiro sintético. Vejamos o exemplo:

“Canção do martin-pescador pequeno”:
O martin-pescador pequeno está na árvore seca
Ele desce no rio
Ele entra na água
Ele sai com um peixe
Ele está parado comendo o peixe
Ele corta caminho entre dois morros
Ele vai rio abaixo
Ele vai rio acima
Ele voa entre o céu e a terra
Ele desce no rio grande.

Tem-se, através dos versos, praticamente um storyboard – uma série de imagens arranjadas em sequência com o propósito de pré-visualizar um filme. Lévi-Strauss em “A eficácia simbólica”, ao analisar a estilística de um canto xamanístico dos índios cuna do Panamá, chama a atenção para algo parecido usado como recurso de memorização. Ele reconhece, intuitivamente, a técnica ideogrâmica empregada no poema indígena: ao tratar das descrições minuciosas de determinadas situações que se repetem no poema, ele escreve: “é como se fossem, dir-se-ia, filmados ‘em câmara lenta’”. Transcrevemos aqui a passagem para que se possa comparar com o poema maxakali:

A parteira dá uma volta dentro da cabana;
A parteira procura pérolas;
A parteira dá uma volta;
A parteira põe um pé diante do outro;
A parteira toca o solo com seu pé;
A parteira coloca o outro pé para a frente;
A parteira abre a porta de sua cabana; a porta de sua cabana estala;
A parteira sai…

Trata-se do mesmo paralelismo, da mesma concisão, e da mesma parataxe encontradas no yãmîy. O que temos no yãmîy é o que é chamado de “montagem de atributos”. Os yãmîys maxakalis apresentam os atributos dos seres cantados. É um ideograma que presentifica um espírito ou totem. Sua estruturação se dá basicamente por montagem. A montagem é uma “atividade de fusão ou síntese mental, em que pormenores isolados (fragmentos) se unem, num nível mais elevado do pensamento, através de uma maneira desusada, emocional, de raciocinar – diferente da lógica comum”.

O yãmîy uma espécie de avatar que expressa a concretização de um espírito na terra através do método da montagem ou ideograma. Segundo depoimento dos próprios índios, o yãmîy/canto não representa ou homenageia o yãmîy/espírito, mas É O PRÓPRIO ESPÍRITO; o que nos remete a algo que está na origem da relação signo (para ser mais específico, neste caso devemos mencionar “símbolo”) e referencial, que é a antiga concepção de “palavra mágica”, como formulada por Ernst Cassirer: aquela que está na origem da criação e que tem o poder de, ao ser mencionada, fazer surgir a coisa. Em certa medida equivale à “palavra-força” de Zumthor, que, em contraposição à palavra ordinária, banal, superficial, “tem seus portadores privilegiados: velhos, predicadores, chefes, santos e, de maneira diferente, os poetas”.

Quando, em ritual, os Maxakali recitam ou cantam seus yãmîys estão presentificando seus deuses, e com eles se relacionando, conversando, recebendo ensinamentos, aprendendo a tradição e também, por que não, a lidar com o novo.

Baseado em texto de Charles Bicalho - UFMG
Postado por HERNE - Extraído de hernehunter.blogspo
 

quarta-feira, outubro 24, 2012



Os Mestres das Lojas devem, cada um, nomear um Companheiro de sua Loja, discreto e experiente, para formar um Comité, constituído por um Companheiro de cada Loja, com a incumbência de receber, em lugar conveniente, qualquer pessoa convidada para admissão, o qual tem poder para o informar, se o acharem merecedor para ser admitido, ou barrarem-lhe a entrada se tiver razões para isso; mas não excluirão ninguém antes de explicarem, a todos os Irmãos, em Loja, quais essas razões, para que se evitem erros. E que nenhum verdadeiro Irmão seja excluído, nem um falso Irmão, ou embusteiro, seja admitido. Este Comité deve reunir-se no local da Festa de São João, antes do seu início e antes que qualquer pessoa chegue com o convite (para ser admitido).

 Esta regra postula o que podemos considerar a origem do telhamento, ou seja, o exame das credenciais de quem, sendo desconhecido da Loja (visitante), pretende participar de uma reunião maçónica.

As sessões das Lojas maçónicas são reservadas aos maçons. Por outro lado, a Maçonaria organiza-se em graus (Aprendiz, Companheiro e Mestre), sendo que os maçons de grau inferior não podem participar de reuniões destinadas aos de grau superior. Apresentando-se um desconhecido para participar de uma reunião de Loja, é necessário que esta se assegure, em primeiro lugar, se quem se apresenta para tal é maçom e, em segundo lugar, se é maçom do grau em que a Loja vai trabalhar, ou superior.

O conjunto de operações e verificações destinado a que essa certeza seja adquirida designa-se por "telhamento", o ato de "telhar". A expressão é simbólica. As Lojas maçónicas reúnem "a coberto", isto é, em privado, sem a presença de quem não é maçom. A simbologia utilizada pela Maçonaria é extraída da construção. Um edifício normalmente é coberto com telha. Um edfício com telhado está a coberto. Logo, uma Loja "a coberto" é uma Loja dotada de telhado, uma Loja "telhada". O ato de verificar que quem acede a uma reunião de uma Loja tem o direito de o fazer é o ato de garantir que a Loja reúna efetivamente "a coberto", é o ato de "cobrir" a Loja. Fazendo-se o paraleo com a cobertura de um edifício, cobrir um edifício é dotá-lo de telha, telhá-lo. Logo, o ato de garantir que a Loja reúna a coberto, mediante a verificação de que quem se apresenta é maçom, e maçom do grau em que a Loja vai reunir, é o ato de telhamento da Loja e essa atividade de verificação é chamada de "telhar" aquele que pretende visitar a Loja.

Esta designação é pacífica e comum na Maçonaria Portuguesa.

Já no Brasil, existem duas variantes para a designação. Uma parte das Lojas, em regra as subordinadas ao Grande Oriente do Brasil, utiliza "telhar" e "telhamento". Outra parte, em regra Lojas jurisdicionadas às Grandes Lojas dos vários Estados brasileiros, utiliza os termos "trolhar" e "trolhamento". Tenho este últimos termos por corruptelas dos termos originais, decorrentes de particular entendimento da fonética das palavras originais, tais como são pronunciadas no "português europeu". Com efeito, a forma de pronúncia utilizada no português europeu é consideravelmente mais fechada, mais "muda" na pronúncia das vogais não tónicas. Enquanto que no português do Brasil a vogal "e" de telhar é claramente pronunciada, no português europeu é completamente muda. Não admira, assim, que um ouvido brasileiro confundisse a sílaba "te" de telhar e telhamento, em que a vogal, pura e simplesmente é abafada, é completamente átona, com a a sílaba "tro" de "trolhar", ato de passar a trolha (que até é um instrumento de pedreiro...), daí derivando "trolhamento".

Um ilustre Irmão brasileiro, Kennio Ismail, defende, no blogue "No esquadro" (em http://www.noesquadro.com.br/2011/02/telhamento-ou-trolhamento.html) que o correto é utilizar "trolhar" e "trolhamento", argumentando, designadamente:

Consultando o Dicionário Priberiam da Língua Portuguesa (dicionário do chamado “português europeu”, visto que o REAA praticado no Brasil tem suas raízes na França e em Portugal, com muitos maçons brasileiros do século XIX tendo iniciado na Maçonaria quando dos estudos em Lisboa), encontramos, entre alguns poucos, o seguinte significado para a palavra “trolha”: “operário que assenta e conserta telhados”. Sendo assim, no bom e velho português, “trolhamento” é assentar e consertar telhados. Já o termo “telhador” significa no mesmo dicionário “aquele que telha”, e o verbo “telhar” significa “cobrir com telha”.
Sim, é exatamente isso que você pensou: se você mora em Lisboa e está com uma goteira em casa, você chama “o trolha” pra consertar seu telhado. Ele faz um “trolhamento”, ou seja, um exame para verificar onde está o problema, e então realiza o conserto.
Dessa forma, pode-se entender que “telhamento” é fazer um telhado, enquanto que “trolhamento” é consertar um telhado. Ora, o templo já está concluído. O examinador apenas verificará se não há uma “telha” fora do lugar ou defeituosa, de forma a evitar uma “goteira”. Então, qual é o termo que melhor se encaixa à ação do examinador? Trolhamento. O examinador está sendo um “trolha”, assentando, ou seja, avaliando se os visitantes têm o nível (grau) necessário para participarem dos trabalhos, e impedindo assim a entrada de “uma goteira” em nosso lar maçônico.

O argumento é interessante, mas, a meu ver, não colhe, por várias razões:

1) O Dicionário Priberam da Língua Portuguesa é um recente dicionário eletrónico, criado por uma empresa comercial que, embora meritório, não tem a autoridade bastante para, por si só, definir o que é certo ou errado na língua portuguesa;

2) Em mais nenhum outro dicionário que consultei, inclusive do século XIX, encontrei o entendimento de "trolha" como operário que assenta e conserta telhados;

3) Em português europeu "trolha" é pedreiro ou servente de pedreiro (e também a designação de uma ferramenta do pedreiro, a colher de pedreiro), e ponto final;  nem no século XIX, quando "muitos maçons brasileiros" estudaram e foram iniciados em Lisboa trolha era designação específica de quem consertava telhados;

4) É certo que o pedreiro trabalha em todas as fases da construção, desde executar os caboucos a levantar paredes, fazer lajes e, sim, também assentar o telhado - mas tudo isso são partes da função do pedreiro, do mister do trolha: não é correto individualizar uma particular tarefa (se o fosse, então ao trolha também cabe abrir janelas, por onde estranhos podem espreitar para o interior das Lojas...);

5) Finalmente, nunca, em português arcaico ou nos rituais e catecismos em uso em Portugal nos séculos XIX e XX foi utilizado "trolhar" e "trolhamento", antes e apenas "telhar" e "telhamento".

Tenho assim que, com toda a amizade, discordar do entendimento do Irmão Kennio Ismail.

Mas, por outro lado, algo há ainda a frisar.

Os defensores do uso de "telhar" e "telhamento" acusam quem usa "trolhar" e "trolhamento" de incorreção, frisando que "trolhar", passar a trolha, o ato de alisar uma superfície é bem mais adequado para designar, não a verificação de quem é maçom, mas sim a atividade de conciliar irmãos desavindos, de limar as asperezas entre eles surgidas, aplainar, alisar, os desentendimentos, enfim, obter a concórdia na Loja através do diálogo que esclareça posições, atenue divergências e garanta a tolerância de diferentes posições e entendimentos.

Embora pessoalmente eu adira a esta interpretação simbólica, não quero deixar de expressar que não concordo com a acusação de "incorreção": a língua é uma coisa viva, evolui, por vezes por variantes cultas, talvez a maioria das vezes por variantes populares, por norma precisamente corruptelas de expressões cultas. Se a língua não evoluísse, se não se alterasse, ainda todos falávamos latim... Uma vez que uma expressão ganhe um uso continuado e significativo na língua, passa a integrá-la, quer a sua origem seja "culta" e tida por gramaticalmente correta, quer a sua origem seja "popular" e decorra de corruptela. Penso que é essa precisamente a situação, neste caso concreto: uma evolução da língua portuguesa, no espaço brasileiro, que acabou por consagrar o uso como sinónimos de "telhar" e "trolhar" e "telhamento" e "trolhamento", desde há dezenas de anos. Precisamente porque a língua é viva e extravasa as pretensões de lhe impormos espartilhos, regras e normas, considero que nenhuma das expressões é, hoje, correta ou incorreta: ambas as variantes estão consagradas pelo uso, ambas ganharam a sua alforria na língua portuguesa, ambas podem ser utilizadas no português utilizado no Brasil.

Uma última nota: não se estranhe que o texto da regra refira que o telhamento era feito por Companheiros: em 1723, ainda a Loja tinha apenas Aprendizes e Companheiros (estes os "oficiais", os que já sabiam executar os trabalhos, equivalentes hoje aos Mestres Maçons), sendo a designação de Mestre reservada ao que hoje designamos por Venerável Mestre. Só mais tarde é instituído o sistema de três graus. O que nos recorda que preservação da Tradição não é sinónimo de imobilismo... nem na língua!

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 142. 

Rui Bandeira

segunda-feira, outubro 22, 2012




A sessão fora produtiva e algo longa, e todos ansiavam já pelo momento de confraternização que se lhe seguiria. Como é regra, todos os aprendizes e companheiros haviam observado absoluto silêncio durante a sessão, não podendo pedir a palavra nem manifestar-se. Agora que a sessão tinha terminado, falavam aberta e incessantemente de tudo e de nada, uns aqui sobre um pormenor da sessão que não tinham percebido ou sobre o qual queriam saber mais, outros de assuntos mais mundanos, outros ainda auxiliando-se mutuamente na arrumação do templo - que é, precisamente, uma das incumbências dos aprendizes. Seguiu-se o ágape - uma refeição em conjunto - em que todos podem falar. E todos o fazem, e é precisamente o que se pretende.

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Em sessão de loja não se pode falar sem primeiro pedir a palavra, mas não basta pedir, não basta um "com licença" para legitimar que se tome a palavra de imediato; é necessário esperar que quem tenha a palavra termine o que tem a dizer, pedir-se de seguida a palavra com um gesto, e esperar que esta seja concedida por quem dirige a sessão - o Venerável Mestre. E enquando se discute um certo assunto, cada um tem apenas direito a uma única intervenção; não há direito de resposta, não há "esqueci-me disto ou daquilo", e muito menos comentários ao que outro acabou de dizer.

Com estas regras aprende-se a ser objetivo, sucinto e claro no que se pretende dizer; não há oportunidade de se fazer um discurso por sucessivas aproximações, nem "navegação à vista". Cada um diz o que tem a dizer, e escuta serenamente o que os demais tenham para partilhar. No fim, o Venerável Mestre fará uma súmula do que foi dito e, com base na posição de cada um, estabelece a posição da loja. Os aprendizes e os companheiros mantêm-se em silêncio, para aprenderem pelo exemplo como se faz, o que se faz, e o que não deve fazer-se. Uma vez elevados a Mestres, poderão pedir a palavra e manifestar-se, mas nesse momento terão já tido a oportunidade de ver e aprender, durante um par de anos, como é que devem exercer esse direito.

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Um dos mestres presentes estava a contar histórias antigas, e curiosamente um dos aprendizes presentes - homem já maduro - tinha algo a acrescentar a essas histórias. Com naturalidade, interrompeu a palavra a quem falava - "dá-me só um segundo..." - e acrescentou um pormenor, deu uma informação adicional e, rapidamente, devolveu a palavra. O mestre prosseguiu durante alguns minutos, até que foi de novo interrompido pelo mesmo aprendiz - "se me permites, meu irmão..." - e contou mais um pouco daquilo de que se falava, deixando todos interessados com o que contou, logo se desculpando de novo e devolvendo a palavra. Discretamente, alguns dos mestres presentes trocaram olhares e sorriram com bonomia. "Tem tempo, ele há de lá chegar", pareciam dizer entre si.

É bom que um aprendiz ou um companheiro tenham algo a dizer - e que o façam no momento e lugar próprios, como o é um ágape após uma sessão de loja. É precisamente essa a circunstância ideal para que vão aprendendo a fazê-lo da forma que se espera que venham a configurar futuramente em loja, quando já mestres; nesse momento, poderão intervir em sessão com fluidez e harmonia, já cientes da forma como deverão agir.

Estive mesmo para dar uma palavra, no final, ao aprendiz em causa - mas contive-me. Afinal, quando se diz que "em maçonaria tudo se aprende e nada se ensina" pretende-se realçar, precisamente, o respeito pelo tempo e pelo ritmo de cada um, e pela descoberta por cada um do seu caminho e das suas verdades. O aprendiz haveria de ter mais oportunidades para descobrir por si mesmo; afinal, o mesmo tinha sucedido também comigo. De facto, não sem algum pudor, recordei as minhas primeiras intervenções junto dos meus Irmãos - intempestivas, acutilantes, desarmoniosas - e pensei que, se eu fora capaz de (começar a) aprender a calar-me (coisa que continuo a aprender todos os dias), certamente aquele aprendiz teria o direito de o descobrir também por si mesmo.

Paulo M.

quinta-feira, outubro 18, 2012


Os Vigilantes e os Ajudantes devem, atentamente, ouvir as orientações do Grão-Mestre, ou seu Vice Grão-Mestre, acerca do local. Mas se o Sapientíssimo e seu Vice Grão-Mestre estiverem doentes, ou ausentes, devem reunir-se com os Mestres e Vigilantes das Lojas para aconselhamento e ordens; ou então podem tomar o assunto totalmente em suas mãos e fazerem o melhor que puderem. 
Os Grandes Vigilantes e os representantes devem dar conta de todo o dinheiro que recebem e gastam, à Grande Loja, depois do jantar, ou quando a Grande Loja achar ser o melhor momento para tal. 
Se o Grão-Mestre assim desejar, pode, no tempo devido, reunir todos os Mestres e Vigilantes de Loja para consultá-los a respeito da grande festa, e acerca de qualquer emergência ou acidente relativo a esta, que requeira aconselhamento; ou então tomar para si a responsabilidade.

Esta é a segunda de um conjunto de nove regras dedicadas especificamente à organização da Festa Anual. Das trinta e nova Regras Gerais registadas na Constituição de Anderson de 1723, nada mais, nada menos do que nove, mais de um quarto, são dedicadas à determinação dos vários aspetos organizativos da Festa Anual, com um detalhe que surpreende um pouco, mas que demonstra a importância que era atribuída à referida Festa Anual.

No caso desta regra, a mesma acentua que, embora a regra anterior tivesse cometido a responsabilidade da organização da celebração aos Grandes Vigilantes, essa organização deveria respeitar a orientação dada pelo Grão-Mestre ou, por delegação ou impossibilidade deste, pelo Vice Grão-Mestre, designadamente quanto à escolha do local onde a mesma deveria ocorrer.

Chama a atenção o texto desta regra por, creio que pela única vez em toda a Constituição de Anderson de 1723, ser utilizada uma fórmula protocolar para designar o Grão-Mestre: "Sapientíssimo".

Algo que a Maçonaria herdou do século XVIII e que, um pouco por todo o mundo, mesmo nos países onde o trato é mais descontraído, permanece, é a utilização de uma linguagem e forma de trato cerimoniosos - por vezes soando mesmo a arcaísmo...

Repare-se que o obreiro que dirige a Loja não é o Presidente, nem o Diretor, nem sequer o Mestre: é o Venerável Mestre, isto é, aquele que dirige a Loja e é, por isso, merecedor de especial consideração.

Na GLLP/GLRP, os Grandes Oficiais são "Respeitáveis" Irmãos e o Grão-Mestre, naturalmente, é "Muito Respeitável" Grão-Mestre. No Brasil, é costumeiro designar-se um Irmão, protocolarmente, por "Poderoso Irmão", "Valoroso Irmão" ou mesmo "Portentoso Irmão". O Grão-Mestre Geral do Grande Oriente do Brasil é designado por "Soberano Irmão" e o seu Grão-Mestre Geral Adjunto por "Sapientíssimo Irmão" (precisamente a referência honorífica utilizada na Regra XXIV). Em algumas - quiçá em todas - Grandes Lojas Estaduais, o respetivo Grão-Mestre é designado por "Sereníssimo" Grão-Mestre.

Permanece assim bem ancorada nos costumes maçónicos a utilização de uma grandiloquência de linguagem e de tratamento que, se por um lado, soa a quem está de fora algo estranha, arcaica, mesmo desajustada, por outro constitui a marca de uma diferenciação entre duas vertentes da vida, que os maçons reconhecem serem (ainda) distintas: a vida maçónica e a vida no mundo profano. Naquela, marca-se bem o esforço de aperfeiçoamento, de busca de melhoria, de tolerância, de respeito mútuo, de convergência entre a admiração e a amizade. O uso de vocativos cerimoniosos é uma forma de pontuar esse esforço, essa diferença, afinal - não há que temer as palavras - esse elitismo de que os maçons se reclamam. Mas os maçons sabem bem que esses arcaísmos são utilizados entre si, dentro da estrutura maçónica, sendo socialmente tidos por exagerados, desajustados, no mundo profano. 

O tratamento cerimonioso entre os maçons é herdeiro direto das fórmulas usuais de tratamento que vigoravam no século XVIII. Ao preservarem e continuarem a utilizar essas fórmulas, os maçons prestam homenagem aos seus antepassados, guardam e preservam o que era corrente três séculos atrás, sem olvidarem que a vida e a sociedade evoluíram.

O balanço entre a Tradição e a Modernidade é uma das caraterísticas dos maçons. Na linguagem utilizada, no tratamento cerimonioso de que se não prescinde, preservam a Tradição minuciosamente, ao ponto de poderem ser considerados como utilizadores de linguagem e tratamento arcaicos, grandiloquentes, desajustados aos dias de hoje. Porventura levarão a sua preservação a um nível mal-entendido pelos seus contemporâneos. Mas seguramente que essa caraterística os protege de caírem no vício da linguagem vulgar, do "calão", que vai campeando nos dias de hoje um pouco por todo o lado. Ente um e outro dos polos, diz o Povo que no meio está a virtude...

Não se pense, porém, que as designações cerimoniosas que os maçons efetuam entre si são manifestações de vaidade. Nada tem a ver com isso, apenas com a preservação da Tradição e com permanente manifestação de respeito e apreço pelos demais. E, se dúvidas sobre isso existirem, a imagem que escolhi para encimar este texto esclarece o que os maçons pensam da Vaidade... Se há algo de que todos os maçons são bem conscientes é o da essencial Igualdade entre todos, no momento de deixar este mundo. Aí, então, toda a Vaidade termina da mesma forma...

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 142. 

terça-feira, outubro 16, 2012





Existem momentos fortemente marcantes na Iniciação e nas sessões Maçônicas normais. Um deles é a aclamação:“Huzzé, Huzzé, Huzzé”, firmemente pronunciada e três vezes repetida. Aclamação e não exclamação de alegria entre os Maçons usual no R.E.A.A.. A palavra HUZZÉ tem origem hebraica, embora em árabe seja pronunciada “HUZZA”, para os antigos árabes ‘HUZZA” era o nome dado a uma espécie de acácia consagrada ao sol, como símbolo da imortalidade, e sua tradução significa força e vigor, palavras simbólicas que fazem parte da tríplice saudação feita na Cadeia de União: Saúde, Força e Vigor. Na Inglaterra a aclamação “HUZZÉ” tem a pronúncia UZEI, tomada do verbo TO HUZZA (aclamação) como sentido “viva o rei”. 

Existe mesmo na língua inglesa o verbo to huzza, que significa aclamar. A bateria de alegria era sempre  feita em honra a um acontecimento feliz para uma Loja ou para um Irmão. Era natural que os Maçons escoceses usassem esta aclamação. O dicionário “Michaelis” diz: huzza, interj. (de alegria) – v. gritar hurra, aclamar. Traduzindo corretamente do árabe “Huzzah” ( Viva ), significa Força e Vigor.

            “Huzzé, Huzzé, Huzzé” por constituir uma aclamação, é pronunciada com voz forte. Ela é feita apenas por duas vezes em cada reunião, por ocasião da abertura e do encerramento dos trabalhos. Trazemos às Sessões as preocupações de ordem material que podem criar correntes vibratórias que põem obstáculos e restringem nossas percepções. Ao contrário, no decorrer dos trabalhos, o esforço constante para o bem e o belo, forma correntes que estabelecem as relações com os planos superiores. Nesse sentido, a aclamação Huzzé, Huzzé, Huzzé, na abertura do trabalho oferece passagem à energia habilitando-nos a benefícios ( saúde, força e vigor ) bem mais consistentes e duradouros. O importante é que, ao iniciar a Sessão, tenhamos presente que, em Loja, tudo, verdadeiramente tudo, tem uma razão para sua existência. Nada, absolutamente nada, se faz no interior de um Templo por acaso.
                 O valor do HUZZE está no som, à energia provocada elimina as vibrações negativas. Quando em Loja, surgirem discussões ásperas e o Venerável Mestre recear-se que o ambiente possa ser perturbado suspenderá os trabalhos, e comandará a expressão HUZZÉ, de forma tríplice, reiniciando os trabalhos, o ambiente será outro, ameno e harmônico. 

            Ao se aproximar do objeto mais sagrado, existente no Templo Maçônico – o Livro da Lei  ( A Bíblia Sagrada ), os maçons lembram pelo nome de Huzzé, expressando com essa aclamação alegria e contentamento, por crerem que o Grande Arquiteto do Universo se faz presente a cada sessão de nossos trabalhos.

E é a ELE que os Maçons rendem graças pelos benefícios advindos de Sua infinita bondade e de Sua presença que, iluminando e espargindo bênçãos em todos aqueles que ali vão imbuídos do Espírito Fraterno, intencionados a praticar a Tolerância, subjugar as suas Intransigências, combater a Vaidade e, crentes que assim procedendo, estarão caminhando rumo a evolução espiritual do Homem, meta do Maçom.

A Maçonaria é uma Obra de Luz; a prática da saudação está arraigada nos ensinamentos Maçônicos. A consideração da saudação Huzzé na abertura dos trabalhos está relacionada ao meio-dia, hora de grande esplendor de iluminação, quando o sol a pino subentende que não há sombra, tornando-se um momento de extrema igualdade – ninguém faz sombra a ninguém. Lembra também as benesses da Sabedoria, representada pelo nascer do sol, cujos raios vivificantes espalham luz e calor, ou seja, a Sabedoria e seus efeitos. Quando do encerramento dos trabalhos, a saudação está relacionada à meia-noite, nos dando o alento de que um novo dia irá raiar, pois quanto mais escura é a madrugada, mais próximo está o nascer de um novo dia. A aclamação ao sol no seu ocaso, lembra que a Luz da Sabedoria irradiou os trabalhos, agora prestes a terminar, em alusão ao fim da nossa vida (meia-noite) quando devemos estar certos de que nossa passagem pelo plano terreno fora pautada por atos de Sabedoria.

            No Rito Moderno a aclamação é “Igualdade, Liberdade e Fraternidade”; no Adoniramita é “Vivat, Vivat, sempre Vivat”; no Brasileiro “Glória, Glória, Glória!” E nos ritos de York ( Emulation ) e Schroeder não existe aclamação.

Huzzé! é, pois, a reiteração que os Irmãos fazem de sua fé no Grande Criador, que tudo pode e tudo governa. E só através DELE encontram o caminho para a ascensão.
            A primeira reflexão, portanto, em torno da aclamação sugere que analisemos nossa vida e verifiquemos se sustentamos os propósitos de paz ou espalhamos a agitação.

            O Mahatma Gandhi dizia que alguém capaz de realizar a plenitude do amor neutralizará o ódio de milhões. Certamente estamos distanciados de suas realizações. Não obstante, podemos promover a paz evitando que ressentimentos e mágoas fermentem no coração dos que conosco congregam e se transformem nesse sentimento desajustaste que é o ódio.

 Certa feita o Obreiro de uma Loja queixava-se do Mestre de Cerimônias ao Venerável por sempre lhe oferecer, na falta dos titulares, os cargos que, segundo ele, eram de mais difícil desempenho ou de menor evidência. O Venerável, um semeador da paz o desarmou.
- Está enganado, meu Irmão, quanto ao nosso Mestre de Cerimônias. Ele o admira muito, sabe que é eficiente e digno de confiança. Por isso o tem encaminhado para desempenho das funções e encargos onde há problemas, consciente de que sabe desempenhá-los e resolvê-los melhor que qualquer outro Obreiro do quadro da Loja.
Desnecessário dizer que com sua intervenção pacificou o Irmão que passou a ver com simpatia as iniciativas a seu respeito. Desarmou, assim, o possível desafeto passando a ideia de que o Mestre de Cerimônias não tinha a mesma opinião a seu respeito, fazendo prevalecer à sugestão de Francisco de Assis: “Onde houver ódio que eu semeie o Amor”.

 Existem aqueles que entendem huzzé como força poderosa, ou seja, um mantra, que deve ser com a consciência de quem a emprega direcionada no sentido do bem. Seria essa a razão e significação da palavra Huzzé como proposta na ritualística Maçônica?
            Devemos acrescer, ainda, que Cristo, em várias oportunidades, saudava os Apóstolos com um “Adonai Ze” (O Senhor esteja entre vós). Essa aclamação os deixava mais alegres e confiantes, formando uma corrente de otimismo. Na Idade Média quando um católico encontrava-se com outro, dizia: DOMINUS VOBISCUM ( O Senhor esteja convosco); PAX TECUM (A paz esteja contigo ). 

            Até pelo exemplo citado, façamos tudo ao nosso alcance para que reine em nossa Loja uma atmosfera de carinho, afeição, tranqüilidade, paz, amor e harmonia para nossa constante elevação e glória do Grande Arquiteto do Universo. 

 O emprego da aclamação Huzzé na Maçonaria tem também o sentido esotérico numa indução moral a que se busque o prazer no que se pratica, para o bem da humanidade ( isto no começo ) e, no final, a mesma alegria pelo bem praticado, não sem também invocar particularmente o duplo sentido do “Ele é ou ele está...” ( com todos, evidentemente ).

            O importante é que, no momento exato, gritemos de alegria sempre que pudermos estar reunidos em Templo e rendermos graças por estarmos juntos mais uma vez.

                                              Huzzé, Huzzé, Huzzé!

sexta-feira, outubro 12, 2012



Se se achar conveniente, e o Grão-Mestre, juntamente com a maioria dos Mestres e os Vigilantes, concordarem em realizar uma grande festividade de acordo com o antigo e salutar costume da Maçonaria, então os Grandes Vigilantes devem cuidar de preparar os convites, selados com o selo do Grão-Mestre, enviá-los, receber o dinheiro das inscrições, comprar os materiais para a festa, encontrar um local conveniente, e tratar de tudo aquilo que for necessário a tal evento. 
Mas para que este trabalho não seja pesado para os dois Grandes Vigilantes, e de modo a que todos os assuntos sejam cuidados segura e diligentemente, o Grão-Mestre, ou seu Vice Grão-Mestre, podem nomear ou indicar um certo número de ajudantes, tantos quantos achar necessários, para actuar em conjunto com os dois Grandes Vigilantes. Tudo o que tenha a ver com a Festividade será decidido entre estes por maioria de votos, excepto quando o Grão-Mestre, ou seu Vice Grão-Mestre, intervenha dando orientações.

Desde o início da Maçonaria Especulativa que é dada muita importância à festividade anual da Fraternidade, a ter lugar por alturas do solstício de verão, no hemisfério norte (de inverno, no hemisfério sul), no ou perto do dia dedicado a São João Batista (24 de junho), um dos dois S. João que a Maçonaria considera seus patronos (o outro é S. João Evangelista, cuja festa litúrgica, curiosamente - mas talvez, afinal, significativamente... - se comemora em 27 de dezembro, cerca do solstício de inverno, no hemisfério norte, e de verão, no hemisfério sul).

Esta celebração anual coincidindo com a festa litúrgica de uma figura do cristianismo, considerada geralmente o precursor e anunciador de Jesus Cristo, mostra bem que, ao contrário do que muitos pensam, a Maçonaria não só tem uma origem teísta, como essa origem esteve intimamente ligada ao cristianismo.

Sobre a origem teísta da Maçonaria recaiu, e muito, a influência do princípio da Tolerância - desde logo religiosa -, que veio a permitir uma evolução no sentido da inclusividade dos crentes de todas as religiões cristãs, primeiro, logo depois, e muito rapidamente, de todas as religiões do Livro (judaísmo e islamismo), seguidamente de todas as religiões e finalmente dos crentes deístas, isto é, dos crentes num Criador, mas não necessariamente integrados numa religião, não necessariamente professando doutrina de religião organizada.

Independentemente da crença de cada um, todos os maçons reconhecem como patronos da Maçonaria os dois S. João, o Batista e o Evangelista. Muitas Obediências mantêm a época solsticial de junho como referência para a sua principal festividade anual.

No caso da GLLP/GLRP, a sua constituição formal data de 29 de junho de 1991, o primeiro sábado após o dia de S. João naquele ano. Também por esse motivo é a época solsticial de junho objeto da sua maior celebração anual.

A regra que ora se comenta instituía como principais responsáveis pela organização dessa celebração os Grandes Vigilantes. Modernamente, a organização da celebração é assegurada pelas Grandes Secretarias, verdadeiro centro nevrálgico administrativo da generalidade das Obediências maçónicas.

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, páginas 141-142. 

  Grande Loja da Rússia   Acredita-se que a maçonaria chegou à Rússia, no final do século XVII, quando em 1699, o Czar Russo, Pedro I “O Gra...